quarta-feira, 7 de maio de 2008

Ser, ou nao ser?

Eu poderia ter sido muito mais, ah, se poderia; mas nao fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei. Influências de pessoas, momentos, influências de acções, influências de crenças e tendências, filosofias e opiniões. Tudo aquilo que fazemos e pensamos transforma-nos naquilo que somos. E eu, o que sou? Mais um condenado ao conformismo, mais uma ovelha num imenso rebanho, mais uma vida que cairá no esquecimento em algumas décadas? Ou alguém diferente, alguém digno de ser denominado "pessoa", alguém que, na hora da morte, olhará o fim da sua história nos olhos e dirá: "Venci!", alguém cujo nome não se afogará no poço da memória, "alguém", de facto?
Eu poderia ter sido diferente, ah, se poderia; mas não fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei. Sentimentos de angústia, dôr, sentimentos de alegria, sentimentos de solidão e tristeza, amor e nostalgia. Todos os nossos sentimentos e emoções transformam-nos naquilo que somos. E eu, o que sinto? Saudades dos momentos felizes, dos velhos amigos, de conversas antigas e situações passadas cuja esperança de que se repitam já terminou? Ou pelo contrário, uma necessidade de esquecer o passado e levantar a cabeça, de continuar a caminhar por um trilho obscuro na esperança de que o futuro traga aqueles momentos que faltam no presente e não existiram dantes, uma vaga esperança de que ventos favoráveis tragam um sorriso, "felicidade", de facto?
Eu poderia ter sido outra coisa qualquer, ah, se poderia; mas não fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei. O destino, a vontade de um Ser superior, a aleatoriedade do Universo. Todos os factores que possamos imaginar transformam-nos naquilo que somos. E eu, o que sou? O mar, imponente, frio, vasto e misterioso, abrigo para milhoes de outras formas de "ser" e motivo de respeito para tantos ou mais milhoes? Ou uma estrela, luminosa, quente, estática, semelhante a tantas e tantas outras, mas única e especial, uma "estrela", de facto?
Eu poderia ter sido aquilo que muitos julgavam que viria a ser, ah, se poderia; mas não fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei. Personalidades, ideias, virtudes e valores. Tudo aquilo que nos torna únicos transforma-nos naquilo que somos. E eu, o que sou? Um profissional de sucesso, respeitado, rico, seguro e informado? Ou um miserável, analfabeto, desempregado e preguiçoso, agarrado a sonhos e projectos antigos que nunca realizará, um "falhado", de facto.
Eu poderia ter sido aquilo que muitos querem ser, ah, se poderia; mas não fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei. Sonhos, ambições, planos e projectos. Tudo aquilo pelo que lutamos e em que acreditamos transforma-nos naquilo que somos. E eu, o que sou? Alguém que se resguarda tanto quanto possível dos perigos que a vida lhe apresenta, com medo de arriscar aquilo que tem por aquilo que não tem, esperando que algo mais surja um dia, por obra do acaso? Ou alguém que decide aproveitar aquilo que tem para ganhar, ou perder, sem prever as consequências dos seus actos nas pessoas e nos acontecimentos, sem se preocupar se irá acordar no dia seguinte, um "sonhador", de facto?
Eu poderia ter sido tudo, ah, se poderia; mas não fui, nem sou, nada para além daquilo em que me tornei.
Se eu pudesse, ah, se eu pudesse; seria muito mais. Talvez o Sol, que brilha para todos sem pedir recompensa, que tudo vê, tudo sabe, mas nada sente. Talvez um grão de areia no deserto, que se perde entre tantos outros grãos seus semelhantes, que aquece de dia e arrefece durante a noite; que nada vê, nada sabe, sem força nem vontade. Talvez o vento, que ora sopra suave a amistoso, ora varre casas, automóveis, pessoas e animais, enfurecido; que nada teme, que nao conhece obstáculos ou barreiras, mas impossível de agarrar ou de sentir. Talvez eu, que procuro a resposta para tantas e tantas perguntas, mas em cujas respostas deposito pouca confiança, que segrego alegria, bem-estar e felicidade, mas que não tenho capacidade para aproveitar as minhas virtudes para meu benefício; que pouco sei, pouco vejo, pouco sinto.
Se querer é poder, então eu não quero.

O Incorrigível

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